Quero falar especificamente do tipo mais comum de formato de podcast usado pelos iniciantes: o podcast de entrevista. Pode até parecer que eu não gosto do formato, mas não é isso. Pelo contrário, alguns dos meus podcast preferidos são de entrevistas, como Freakonomics Radio com o jornalista Stephen Dubner e o economista Steven Levitt como convidado regular; e os podcasts O Assunto, com a jornalista Renata Lo Prete, e Stock Pickers, com o jornalista Thiago Salomão.



Tenho certeza que você também tem seus programas preferidos, e não só podcasts. Quem não se lembra do famoso programa de entrevistas do Jô Soares? Ainda temos o Roda Viva, Roberto D’avila, The Noite, Conversa com Bial, entre outros. Antes mesmo do podcast, esse formato já tinha ganhado o país com entrevistas interessantes e divertidas. E, por isso, ao iniciar um podcast, é natural pensar em fazer entrevistas.
Então qual é o problema? A questão aqui não é o formato, e sim o seu uso. É fácil observar que a maioria das pessoas que escolheram entrevistar convidados em seus podcasts não entenderam o formato corretamente e estão produzindo episódios chatos e sem direcionamento.
Todos os problemas que vou relatar aqui são baseados na minha experiência de trabalho no estúdio Bicho de Goiaba, especializado em produção de podcasts. Toda semana recebo um projeto de podcast de entrevistas e quase sempre ele tem algum erro conceitual ou de execução. A verdade é que todo mundo quer ter um podcast, mas nem todo mundo quer ter que estudar pra isso. Por isso, o primeiro entrave que encontro nos podcasts de entrevista é a preguiça. Isso mesmo! O pensamento geral parece ser: por que eu vou estudar um conteúdo, ler artigos, ver vídeos, buscar no Google, se eu simplesmente posso chamar um especialista para responder minhas dúvidas e evitar todo esse trabalho?
Quando você planejou o seu podcast, você queria entregar um conteúdo de um jeito específico para seus ouvintes. Será que terceirizar essa entrega é o jeito correto? Gravar e editar são as etapas mais simples de um podcast, criar conteúdo que é o verdadeiro desafio. E é exatamente isso que muitos tentam evitar quando escolhem fazer entrevistas.
Criar autoridade sobre um assunto é um objetivo comum para vários podcasters. Se é esse o seu caso, as entrevistas não são adequadas, porque nelas o centro da atenção é o entrevistado, o show é dele. Todas as atenções estão voltadas para o que ele está falando, o entrevistador é um coadjuvante, como deve ser em uma boa entrevista. Então, se quer ser reconhecido como autoridade em um assunto, é você que precisa transmitir o conteúdo de forma que o público possa reconhecer e respeitar o seu conhecimento sobre o tema.
Observe que os meus podcasts preferidos citados anteriormente são apresentados por jornalistas. É lógico que isso não é uma obrigatoriedade, existem muitos outros hosts de outros perfis profissionais. O que quero ressaltar aqui ao citar os jornalistas é a sua capacidade de conduzir uma entrevista. Essa é uma questão fundamental, você não precisa ser um jornalista para ter um podcast nesse formato, mas você precisa minimamente saber como funciona uma entrevista. É preciso investir um pouco de tempo e estudar sobre o assunto.
Deixar o convidado falar à vontade não é entrevista, a conversa vira um monólogo chato. Entrevistar é conduzir o diálogo para temas específicos buscando opiniões e explicações, respeitando o tempo e mantendo um fluxo de informação interessante para o ouvinte. Não é uma coisa simples, é preciso se preparar estudando o tema, estudando o entrevistado e preparando a pauta. E, logicamente, essa é uma experiência que se adquire com o passar do tempo.
Eu já ouvi alguns episódios em que o entrevistado respondeu uma pergunta por 20 minutos. Respostas alongadas não são raras, elas acontecem quando a pergunta não é bem elaborada ou quando o host não estudou o assunto e não consegue contribuir com nada. Quando esse tipo de resposta demorada aparece, temos duas opções e todas elas são ruins: manter a resposta completa deixando o episódio virar um monólogo, ou editar a resposta deletando algumas partes, o que nem sempre fica bom. É lógico que a edição é um ótimo recurso, e às vezes é preciso deletar algumas partes, mas se o podcast depende da edição para a conversa ficar interessante, você tem um problema.
Saber articular perguntas e fazê-las na hora certa requer preparo e experiência. Eu não falo isso para te desanimar, e sim para que você consiga visualizar os passos necessários para ter um podcast de sucesso. O sucesso da entrevista não depende só dos convidados, mas também da sua capacidade de fazer as perguntas certas. Então, para fechar esse assunto, fique sabendo que para ter uma podcast de entrevista é preciso saber entrevistar; e se você não sabe, não tem nenhum problema, é só aprender. Não tem como pular essa etapa.
Outro erro comum é sobre a estrutura. A entrevista não pode ser o único conteúdo do episódio. É preciso uma introdução (INTRO) para apresentar o podcast, o conteúdo e o convidado. É preciso convencer o ouvinte que vale a pena ouvir a entrevista e preparar o terreno para o assunto que virá. Também é preciso fazer um encerramento (OUTRO), concluir o episódio, convocar os ouvintes para acessar o site ou as redes sociais, deixar comentários etc. Tem muito podcast por aí começando e terminando somente com a entrevista, perdendo a oportunidade de maior engajamento.
Agora vamos falar sobre o ponto mais relevante. Eu acredito que seja o fator-chave de sucesso para um podcast de entrevistas: a capacidade de ter convidados interessantes. Atualmente (meados de 2022), o podcast do Joe Rogan (The Joe Rogan Experience) é o mais ouvido do mundo, e, para surpresa de ninguém, é um podcast de entrevistas. Elon Musk, Kanye West, Miley Cyrus, Robert Downey Jr. exemplificam bem o calibre das celebridades que passam por lá. O Joe é legal? É. Ele sabe fazer entrevistas? Sabe. Mas não basta só isso para ter o podcast mais ouvido do mundo. O segredo é a habilidade de ter a cada episódio um convidado que chame a atenção do público, seja uma celebridade ou alguém desconhecido que domine um assunto interessante.
Aqui no Brasil temos o Podcast Flow, que faz muito sucesso bebendo dessa fonte do Joe Rogan, sempre com convidados que chamam a atenção do público


O que quero mostrar para vocês com esses dois exemplos é que a produção é o motor desse formato: encontrar assuntos interessantes, convidar pessoas para falar sobre eles, montar a pauta, ajustar as várias agendas e gravar. Lembre-se que você vai precisar de um convidado por semana, então, você ou sua equipe precisam ter essa capacidade de convencer potenciais entrevistados constantemente. Depois de convencê-los a participar, será preciso agendar o melhor horário para a gravação; quando for celebridades, fazer ajustes de pautas com as assessorias de imprensa, e, no final, ainda ficar atento aos imprevistos.
E uma coisa é certa, esses imprevistos sempre acontecem, e por isso a produção é importante, pois ela vai planejar gravações com vários convidados num ritmo maior do que suas publicações, evitando que você fique sem postar episódios quando seu convidado desmarcar de última hora.
Um erro comum aqui é superestimar a sua rede de contatos. Eu não duvido que conheça muitas pessoas e com certeza isso será importante para garantir os primeiros episódios. É até recomendado que você comece as entrevistas com seus amigos e pessoas conhecidas. Além de ser mais fácil de convencê-las, você ficará mais seguro durante a conversa. Mas, não se engane, rapidamente você vai ter que convidar outras pessoas que estão fora do seu círculo de amizade, o que vai exigir um maior esforço.
Um leitor desatento pode até achar que estou desencorajando o uso deste tipo de formato. Não é isso, como falei anteriormente, esse é um dos formatos que mais me agrada. Um podcast de entrevistas executado corretamente é simplesmente sensacional. Eu só não quero que você escolha esse formato pelos motivos errados ou sem saber os desafios por trás dessa opção.

Então, se quer ter um podcast de entrevistas, vá em frente! Invista tempo na produção, na lista de convidados potenciais, nos assuntos interessantes, nas celebridades que podem participar do seu programa. Isso vai fazer muita diferença no resultado final.
Texto retirado do livro Podcast Descomplicado.
Muito bem colocado seu texto, Bontempo. Em tempos que temos mais podcasts que ouvintes (rs) precisamos ser seletivos para escolher qual escutar e ultimamente tem surgido muitas produções de conteúdo que não agregam em nada.