Não imagino viver num mundo sem podcasts. Escuto todos os formatos, mas os narrativos são os que mais me conectam ao conteúdo. A narração dos fatos como se estivessem contando histórias, aliada à escuta em fones de ouvido, tem um poder imersivo fantástico. Além disso, a recriação de cenas e lugares desperta sensações que me deixam atento o tempo todo.
Como ilustração, apresento aqui a abertura do primeiro episódio de Praia dos Ossos, da Rádio Novelo. A minissérie remonta a morte da socialite mineira Ângela Diniz, em dezembro de 1976. No trecho, Branca Vianna, apresentadora do podcast, caminha por uma rua de Búzios, no litoral fluminense, acompanhada da pesquisadora Flora Thomson-DeVeaux. Elas procuram a casa onde aconteceu o crime. A propriedade fica na praia que dá nome à produção:
Branca Vianna: Olha que… vai ser aquela lá, hein.
Flora Thomson-DeVeaux: Será?
Branca Vianna: Ou essa aqui?
Flora Thomson-DeVeaux: Não, essa da direita, não.
Branca Vianna: Essa aqui, não?
Flora Thomson-DeVeaux : Essa aí, não sei.
Branca Vianna: Essa gravação foi feita em junho de 2019. Naquele mês, eu fui pra Búzios com a Flora Thomson-DeVeaux, pesquisadora deste podcast.
Branca Vianna: Não, tinha dois andares. Mas isso dá pra fazer, né?
Flora Thomson-DeVeaux: É.
Branca Vianna: Era a primeira vez da Flora lá, e a minha primeira vez depois de muitos anos. Mas a Praia dos Ossos continuava do jeito que eu me lembrava, com aquela cara de vila de pescador cenográfica.
Flora Thomson-DeVeaux: Pode ser essa.
Branca Vianna: Não tinha esse muro aqui, eu acho.
Branca Vianna: A gente ficou a maior parte do tempo de costas pro mar, examinando uma fileira de casas a poucos passos da areia. Parecia que a gente tava tentando identificar o culpado naquelas filas de suspeitos na delegacia, sabe?
Dá para perceber que a narrativa, em primeira pessoa, apresenta o pessoal, o emocional e o peculiar do cenário ao redor de Flora e Branca. O roteiro soa espontâneo e coloquial, com as narradoras verbalizando dúvidas, impressões e opiniões. Ira Glass, criador do This American Life e um dos produtores de Serial, costuma dizer que é como se a história criasse pequenos filmes sonoros. Sarah Koening, parceira de Glass, já revelou que uma de suas inspirações é Charles Dickens, autor de obras como David Copperfield e Oliver Twist. Ele era mestre em descrever cenas urbanas e personagens. Esse olhar aguçado aparece desde o primeiro livro, Retratos Londrinos, de 1836.
Outra influência dessas produções vem do Novo Jornalismo (New Journalism), movimento que narrava a realidade com técnicas literárias, nos anos 60. Tom Wolfe foi um dos fundadores do chamado jornalismo literário. Wolfe tinha estilo próprio e usava nas narrativas o que chamava de status life: gestos, hábitos e costumes que revelavam o modo de ser de um personagem no mundo.
Se tu ficaste inspirado e vai iniciar uma produção narrativa presta atenção nessas dicas de McHugh Siobhàn, autora de The power of podcasting: telling stories through sound:
- a — Escolha histórias com personagens interessantes, que vão render entrevistas francas e profundas;
- b — Certifique-se de que a história seja complexa, com reviravoltas intrigantes;
- c — O host deve ter forte conexão com a história;
- d — Aprenda a pensar através dos ouvidos. Grave você batendo na porta e a fonte atendendo. Grave (com permissão, é claro) cenas dela brincando com a família, atendendo o telefone, malhando na academia, fazendo café. Esse material é valioso para abertura de episódios, ambientar cenários ou levar a narrativa a um novo lugar;
- e — Escreva como se fala. O roteiro deve soar natural.
Por fim, acredito que uma boa história é a melhor maneira de ser compreendido e criar empatia. O escritor uruguaio Eduardo Galeano resume numa frase: “Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me contou que somos feitos de histórias.”
Baita mestre.